quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Carta das Responsabilidades do Artista

Carta das Responsabilidades do Artista
Manifesto da Rede Mundial de Artistas em Aliança

Esta carta/manifesto nos foi enviada pelo artista plástico Paulo Pitombo, grande amigo de mais de 20 anos. Republicamos a mesma, como forma de divulgação. Saiba mais sobre a iniciativa em:

http://www.cineclubepolis.wordpress.com/2009/03/04/carta-das-responsabilidades-do-artista/

http://www.polis.org.br/

(desenho de Marcelo Bicalho )

Esta proposta é um desdobramento da Carta das Responsabilidades Humanas da Aliança para um Mundo Responsável, Plural e Solidário, que se propõe a “inventar novas formas de ação coletiva, que vão da escala local ao nível mundial, com o objetivo de influir juntos sobre o futuro de um mundo cada vez mais complexo e interdependente”.

Os artistas têm papel fundamental nesta reinvenção do mundo, razão desta Carta, em que nos propomos a assinalar nosso papel, como entendemos as artes, quais são nossas responsabilidades e nossas propostas de ações.

O papel do artista

“O real dever do artista é salvar o sonho” diz Modigliani. E o sonho, em um mundo mercantilizado, torna mercantil o próprio sonho. Sonho de consumo, de possuir como sinônimo de felicidade. Sonho de artista, da arte revelando um mundo e criando outro.

É neste mundo, cada vez mais desequilibrado – povoado de desigualdades e despovoado de encantos -, que se propõe para o artista o desafio de reencantá-lo. O que significa colocar-se em campo para transformar a sociedade por meio das artes: um sonho com pé na terra.

As artes compõem a cenário da subjetividade, reflexão e criação, podendo mudar a visão do mundo de todos aqueles que dela se acercam.

É possível sonhar com um mundo poeticamente habitável? Um mundo que não seja árido? Um mundo livre da violência e dos fundamentalismos, em que os homens se destroem mutuamente?

Um mundo que não se mova pela ganância, pelo lucro e onde a liberdade e a paz sejam os maiores patrimônios da vida? Um mundo que não transforme o próximo e a si mesmo em “coisa”? Apontamos caminhos, embora não tenhamos respostas.

Sabemos que as artes são parte fundamental da sociedade e se contextualizam na ética da vida conectada aos paradigmas terra, sonho, maravilhamento. Optamos caminhar nesta direção para tentar obter respostas às perguntas que acima nos fizemos. Acreditamos, como Marcel Duchamp, que as artes são “um meio de libertação, de sabedoria, de contemplação e de conhecimento”. Nesta concepção, as artes, experiência espiritual da condição humana, são linguagens essenciais da humanidade, sendo inseparáveis do ato de viver, da liberdade e de tudo que nela cresce. A Rede de Artistas em Aliança e do Movimento Arte Solidária afirma que “a arte é um exercício intuitivo para uma nova forma de perceber o mundo, estar e pertencer ao mundo”.

Em síntese, a criação artística é vital: para a preservação da memória; para o desafio da invenção; para afirmar a diversidade e a identidade dos povos; para o enraizamento étnico, social e cultural; para o diálogo intercultural; para o enriquecimento do imaginário; para a construção da subjetividade e da qualidade de ser; para a promoção da ética; para a aproximação solidária entre pessoas; para a aproximação entre as pessoas e a natureza; para o equilíbrio e a integridade espiritual do planeta; e para gerar condições que permitam um processo criativo em beneficio da comunidade dos seres vivos.

Considerando que as artes:

• são formas universais de expressão e comunicação humana, que desenvolvem as inteligências múltiplas e as relações sociais do ser, preservam e promovem a diversidade e a identidade cultural e espiritual das sociedades, reforçando o sentido de pertencimento à humanidade;
• são inseparáveis do ato de viver, e se justificam pelo seu próprio existir, não devendo estarem a serviço de qualquer ideologia, nem serem ferramentas ou instrumento do que quer que sejam;
• contribuem para formar comunidades empáticas e sensíveis, unindo as pessoas pelo afeto e pela solidariedade;
• alimentam e são expressões da imaginação criadora que transforma a realidade;
• tem papel fundamental na reorganização do tecido social, desfeito pela mercantilização das relações, pelo individualismo e pela violência;
• possibilitam a vivência criativa, abrindo trilhas para o reencantamento do mundo;
• são patrimônio da humanidade e campos de integração e aproximação entre os povos;
• são linguagens íntimas na comunicação entre jovens, quando buscam se entender e se conhecer em resposta as questões existenciais;
• possibilitam a vivência alegre, lúdica, prazerosa e criativa, o sonho e a utopia;
• podem estimular a indignação frente às injustiças sociais e é inspiradora de mudanças de atitudes no papel da sociedade civil;
• abrem caminhos para a reinvenção do mundo:

É responsabilidade do artista:

• lutar para a integração das linguagens artísticas na busca de novos paradigmas cooperativos e humanizadores de educação e cultura;
• contribuir para a democratização das artes através da educação formal e informal atual;
• estimular diálogo com perspectivas culturais e métodos de criação artística atuais, valorizando os diversos processos criativos e não cedendo a pressões políticas, ideológicas ou discriminatórias oriundas do mercado;
• abrir a sua obra para diálogos, desmistificando, democratizando e compartilhando com todos o ato de criar;
• estabelecer relações com os jovens, propondo-lhes caminhos e desafios na fruição da criação artística;
• estabelecer relações interculturais, com o público e com a sociedade, inspirando e ampliando os processos criativos na formação da cidadania;
• promover a devolução pública de produtos e processos artísticos, ampliando as oportunidades de diálogo com o público através da difusão e distribuição de produtos (livros, CDs etc), bem como estimulando a inclusão de cláusulas visando a esta atitude nos editais, leis de incentivo à cultura e ações culturais;
• fortalecer intercâmbios e oportunidades de diálogo intercultural, base de novos paradigmas para uma humanidade que leve em conta a paz, a ética e o reencantamento do mundo;
• contribuir para que as novas tecnologias de informação e comunicação possam promover a diversidade cultural e aproximação dos artistas com o público;
• contribuir para a democratização dos meios de comunicação e ampliação de espaços de debate sobre os meios de expressão artística, redefinindo o papel do artista e sua responsabilidade como mídia cultural;
• participar e acompanhar a elaboração e implementação das políticas culturais, seja individualmente ou através de organizações profissionais independentes;
• estimular a responsabilidade social, cultural e política do estado e da iniciativa privada;
• reivindicar e monitorar a ampliação e a distribuição democrática dos orçamentos públicos, bem como os direitos garantidos ou indicados nas leis nacionais e nos pactos internacionais, como o Pacto Internacional das Nações Unidas sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção sobre a Diversidade Cultural e proteção do patrimônio artístico promovido pela UNESCO em outubro de 2005 e outras recomendações culturais;
• proteger e propagar o patrimônio material e imaterial de todos os povos;
• lutar pelo direito à remuneração digna, buscando abrir o debate sobre a questão dos direitos autorais;
• proteger, contra apropriação indevida de terceiros, os bens artísticos e culturais de todos os artistas, principalmente daqueles pertencentes aos setores mais vulneráveis como os quilombolas, os indígenas e os mestres e mestras da cultura popular;
• estimular a criação de associações e cooperativas, fóruns e redes, para que possam melhor difundir suas experiências e interferir na realidade cultural onde se inserem;
• lutar pela preservação do meio ambiente, condição essencial para uma sociedade sustentável, utilizando materiais que preservem a natureza;
• ocupar a rua e o cotidiano, que é o lugar por excelência da comunidade, e não apenas os “templos” da cultura ”(centros culturais, bibliotecas, teatros, cinemas, galerias, escolas, equipamentos públicos);
• integrar a consciência cultural da América Latina através de atividades artísticas e estimular os diálogos sul-sul;
• repensar as práticas artísticas, levando em conta o desenvolvimento da criatividade à luz dos valores éticos e humanistas.
Propostas de ações para a difusão da Carta de Responsabilidades do Artista:
• usar os sites da Rede Mundial de Artistas e dos membros da Aliança Mundial pelas Artes Educação para divulgar regularmente suas atividades e articulação de ações;
• promover a apresentação da Carta em todas as linguagens artísticas e por todos os meios e espaços de comunicação, e para trabalhar seu conteúdo;
• criar corredores culturais como territórios de responsabilidade para desenvolver o diálogo intercultural em todas a comunidades, países e regiões do mundo por meio da difusão da Carta;
• articular núcleos de arte-educadores comprometidos com a discussão e a divulgação da Carta;
• promover diálogos intergeracionais sobre a Carta;
• incluir os princípios da Carta de Responsabilidades Humanas nas políticas públicas;
• elaborar e socializar metodologias que valorize as identidades e diversidades locais, promovendo valores que inspiram a Carta das Responsabilidades Humanas, quais sejam:
• A Terra é a nossa única e insubstituível mátria.
• A humanidade em toda a sua diversidade pertence ao mundo vivo e participa de sua evolução.
• Nossos destinos são inseparáveis e a amplitude das crises do nosso tempo nos mostra aquilo que está em questão hoje: o dom da vida em si.
• A vida não é criada pelos seres humanos, os seres humanos fazem parte da vida.
• A humanidade e sua diversidade têm a responsabilidade de preservar o direito à vida.
• O artista pode contribuir para a preservação e o desenvolvimento da vida e para salvar o sonho.

Janeiro de 2009

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